A utilização de registros de Estações Rádio Base (ERBs) em investigações criminais tem como objetivo estabelecer uma possível presença física de um suspeito na cena do crime. Em muitos casos, a narrativa acusatória se apoia em dados de conexão entre o aparelho celular do investigado e uma antena localizada nas imediações do local do fato. A premissa é simples: se o telefone se conectou a uma ERB próxima ao local do crime no mesmo intervalo de tempo em que os fatos ocorreram, há uma suspeita de presença.
Contudo, a simplicidade dessa lógica pode esconder um risco técnico grave. A conexão a uma ERB não representa, de forma automática, a presença física de alguém no raio exato da antena. A cobertura de uma ERB varia conforme o ambiente, e um celular pode se conectar a uma torre mesmo estando a quilômetros de distância da cena do crime.
Fatores Que Comprometem A Precisão Geográfica Da Conexão
A confiabilidade dessa correlação entre suspeito e local depende de uma série de elementos técnicos que muitas vezes não são considerados nos laudos oficiais. A topografia do local, a densidade de construções, o número de dispositivos conectados à rede, além de fatores climáticos e operacionais, influencia diretamente qual ERB será acionada pelo aparelho.
Por exemplo, em áreas urbanas, um celular pode optar automaticamente por uma torre mais distante se a mais próxima estiver congestionada. Em áreas rurais, a baixa densidade de torres amplia o raio de cobertura, podendo cobrir vários quilômetros com uma única ERB. Isso torna arriscado afirmar com precisão a localização do portador do celular no momento do crime com base apenas nesses registros.
A Necessidade De Análise Técnica Complementar À Simples Listagem De Conexões
Muitos laudos apresentados em processos penais consistem apenas na listagem cronológica das conexões do aparelho, acompanhada de mapas e horários. No entanto, sem uma análise técnica adequada, que inclua a topologia das ERBs, o tipo de conexão (voz, dados, SMS), a análise de deslocamento e a sobreposição de áreas de cobertura, a informação perde valor probatório.
Um laudo robusto precisa demonstrar que o conjunto dos dados, contextualizado com outros elementos do processo, reforça a tese de presença física. Caso contrário, a simples presença em uma área ampla de cobertura, sem cruzamento com outras provas, pode ser apenas uma coincidência técnica, e não um indicativo de autoria ou participação no crime.
O Papel Da Defesa Técnica Ao Analisar A Suposta Vinculação Entre Suspeito E Local
Na prática forense, a defesa tem um papel fundamental ao analisar criticamente a tentativa de vincular um suspeito ao local do crime por meio de ERBs. A contratação de um assistente técnico capacitado permite verificar se a metodologia utilizada pelo perito oficial é consistente, se houve cruzamento adequado dos dados, ou se o laudo baseia-se em suposições frágeis.
Além disso, a defesa pode trazer à tona hipóteses alternativas — como o uso do telefone por terceiros, a possibilidade de o aparelho estar em local diferente do usuário, ou mesmo o descarte do telefone no local para induzir erro investigativo. São cenários possíveis que precisam ser levados em conta antes de se afirmar com convicção a presença do investigado na cena do crime.
Reflexões Sobre O Valor Jurídico Dessa Prova E O Risco De Condenações Baseadas Em Suposições
Provas digitais têm ganhado protagonismo no processo penal, mas é essencial reconhecer seus limites. A vinculação entre um indivíduo e a cena do crime com base em dados de ERBs deve ser tratada com extrema cautela, sobretudo quando não há outros elementos probatórios que corroborem a presença física.
A jurisprudência caminha no sentido de exigir que a prova técnica seja precisa, confiável e obtida com metodologia reconhecida. Quando isso não ocorre, a defesa pode sustentar a fragilidade do vínculo estabelecido, pleiteando a desconsideração da prova ou, em casos mais graves, a nulidade do processo. Compreender os limites dessa tecnologia é uma vantagem estratégica. O uso de ERBs pode parecer um elo entre o investigado e o local do crime, mas com a análise certa, esse elo pode se mostrar mais aparente do que real.